domingo, 29 de abril de 2018

O que é o Ciclo de Yig?

They walked lithely and sinuously erect on pre-mammalian members, their pied and hairless bodies bending with great suppleness. There was a loud and constant hissing of formulae as they went to and fro. – The Seven Geases, Clark Ashton Smith. 

Introdução


H.P. Lovecraft nunca teve um emprego. Viveu da fortuna quase esgotada de sua família, e do pouco que conseguia ganhar como revisor e escritor. Estava sempre dividido entre o desejo de sucesso monetário literário e o ideal do cavalheiro aristocrata que não se preocupa com finanças. Suas primeiras tentativas de vender seus contos tiveram êxito com Edwin Baird, editor da revista Weird Tales, aceitando os primeiros cinco contos enviados de uma vez por Lovecraft - Dagon , Arthur Jermyn, Os Gatos de Ulthar, O Cão de Caça e O Depoimento de Randolph Carter. Seus contos apareceram em nove dos onze números da revista publicados entre 1923 e 1925.

Quando a revista Weird Tales mudou, e Farnsworth Wright  passou a ser seu editor, guinando definitivamente para o horror -  Baird não tinha tanta sensibilidade para a weird fiction, aceitando praticamente tudo o que recebia - a sorte de Lovecraft mudou. Sendo mais criterioso e rigoroso, não tinha a mesma apreciação pelos contos de Lovecraft, e o escritor passou a receber mais rejeições do que aceitações da revista. Alguns dos contos que foram rejeitados são agora clássicos do gênero, como O Chamado de Cthulhu, só foram publicados depois de serem rejeitados repetidas vezes pela Weird Tales.


Nas Montanhas da Loucura, de Lovecraft
Wright, o novo editor, rejeitou ainda Nas Montanhas da Loucura e A Sombra Vinda do Tempo, que foram mais tarde publicados pela revista Astounding Stories e que também se tornaram clássicos. A Amazing Stories publicou A Cor que caiu do Espaço e pagou muito pouco considerando o tamanho da história, mesmo se tornando uma das obras mais populares do autor, e continuou sendo seu conto favorito. O Caso de Charles Dexter Ward só foi publicado anos depois da morte do escritor. Os Sonhos na Casa da Bruxa só foi publicado porque August Derleth enviou, em segredo, o conto a Wright, pedindo que o editor o aceitasse para publicação.

Nesse período que, ironicamente, Lovecraft trabalhou muito como ghost writer (escrito anônimo), vendendo contos para serem publicados por outros autores. Ele recebia de outro “autor” uma série de ideias e escrevia então uma história completa. Contos como The Curse of Yig (1929) e The Mound (1940), de Zelia Bishop, e The Horror in the Museum (1932) e Out of the Aeons (1935), de Hazel Heald, foram, na verdade, 90% ou mais criações de H.P. Lovecraft. Embora esses contos tenham sido aceitos por Wright, os contos que Lovecraft escrevia sob seu próprio nome continuavam a ser mal pagos ou rejeitados, deixando o autor cansado e se sentido rejeitado, começando a se recusar a enviar seus contos para editoras.

Em outras obras


A prática de um autor mencionar em suas histórias as divindades, livros e temas criados por outros autores era comum nessa época, e Lovecraft fez isso em vários de seus contos. Nos contos de Bishop aparecem Cthulhu e Tsathoggua, criados por Lovecraft, e também aparece Yig, as três divindades sendo veneradas por uma raça de humanos que vive nos subterrâneos. Com essa prática também, Robert E. Howard e Clark Ashton Smith também desenvolvem essa linha desse mito em especial, em duas histórias específicas: O Reino Sombrio (1929) e The Seven Geases (1934).

Robert E. Howard nos apresenta os adoradores de Yig. Criados originalmente pelo autor, as criaturas chamadas de povo-serpente estão presentes na narrativa O Reino Sombrio, que mostram Kull, o guerreiro atlante que se tornou soberano da Valúsia, que descobre, estarrecido, que os eles, os homens-serpentes de uma raça que no longínquo passado haviam guerreado a humanidade, estavam aos poucos dominando o país, graças ao seu poder de mimetismo e que os reis anteriores da Valúsia haviam sido assassinados em segredo, e homens-serpentes tomaram seu lugar, pois podiam por sugestão hipnótica ser vistos com a aparência humana, idêntica à dos mortos.



Já em The Seven Geases se depara com uma viagem tragicômica dos horrores e maravilhas dos não-humanos que existem sob "the black Eiglophian Mountains", nas quais a humanidade, representada pelo personagem principal, o magistrado Ralibar Vooz, é apenas uma reflexão tardia, uma mera distração, e não a propulsora de tudo. A colaboração de Clark Ashton Smith foi significativa pelo seu humor negro e bucólico. O protagonista monta uma equipe de vinte homens e vai em busca de criaturas subumanas chamadas Voormis, caracterizadas como subproduto de homens-serpentes que andaram na terra no passado após adorar Tsathoggua e não o Pai das Serpentes.

Esses homens-serpentes sempre adoraram um deus, que foi identificado mais tarde como Yig pelo circulo dos autores do Cthulhu Mythos, e antes disso, nas histórias de Conan, era chamado de Set (vide O deus na urna em 1932). Esses homens pareciam serpentes eretas, com cabeças ofídicas e escamas, mas com dois braços e pernas. Possuíam caudas e, em seus melhores dias, trajavam túnicas.

Povo-Serpente


O primeiro reino do povo-serpente foi a Valúsia, localizado na costa oeste do continente principal de Thuria. Esse reino veio muito antes dos dinossauros caminharem sobre a Terra, com cidades de basaltos negros e guerras travadas em um curto período de espaço: antes ou durante o Período Pérmico. Com a chegada dos dinossauros no Período Triássico, o primeiro reino ruiu e o povo-serpente se retirou para fortalezas nas profundezas do subterrâneo, a maior delas era Yoth. Nessa época, o povo-serpente tornou-se também cientificamente avançado, capaz de manipular a vida em si.

Já na pré-história humana, o povo-serpente ergueu seu segundo reinado no centro do continente Thuriano. Este sucumbiu ainda mais rápido que a Valúsia, derrubado desta vez pelos humanos, que mais tarde reivindicaram as terras como suas. Nessas guerras travadas, acabaram sendo expulsos e muitos foram mortos. Após um conflito, eles foram esquecido, mas dominaram o imaginário popular, e por muito tempo foram lendas. Os que sobreviveram se infiltraram na sociedade e governaram secretamente através de um feitiço comum de ilusão, que transforma a aparência do feiticeiro na de um humano normal. Isso veio a acabar quando o Rei Kull, um bárbaro atlante, foi coroado rei da Valúsia. Ele, se aliando com os pictos que sabiam dessas trocas de homens comuns por homens-serpentes, se unem e colocam fim a esse reinado.

Esses acontecimentos destacam como o povo-serpente era composto por grandes cientistas e feiticeiros, que dedicaram muito tempo a invocar demônios terríveis e criar venenos potentes. Se retirando pela última vez para Yoth, no mundo atual suas cavernas se localizam nas Américas.

O que é Yig


Yig nunca foi retratado muito claramente. Meio humano e meio serpente, pode parecer um homem forte escamoso com uma cabeça de serpente ou uma cabeça normal. Seu culto é realizado por tribos da planície central e praticantes de vodu, podendo estar também conectado de alguma forma a Quetzalcoatl (deus asteca) e Kukulcán (deus maia). Ele é ainda adorado pelo povo-serpente e seus descendentes. Adoradores recebem alguma imunidade a veneno de cobras, a habilidade de falar com cobras, alguns rituais arcanos e feitiços. Se alguém expõe os segredos ou prejudica o culto, Yig envia uma serpente sagrada para matar o transgressor. A sua maldição, denominada de “Maldição de Yig” se refere a crianças loucas e deformadas.

Yig é uma divindade que demanda constantes sacrifícios e rituais macabros por parte de seus seguidores. Sua ira mortal se traduz na visita de serpentes venenosas na calada da noite. Um dos Grandes Antigos, ele age como um deus que envia seus subordinados ou filhos para punir todos os que assassinaram uma cobra no passado, matando-os ou transformando-se em uma criatura parecida com uma cobra como ele. São nessas histórias que a coletânea da Editora Clock Tower se baseia. Disponível em edição limitada, O Circulo de Yig pode ser adquirido aqui nesse link. Trata-se de um livro com obras de H.P. Lovecraft sobre os Mitos de Yig: A Colina, A Maldição de Yig e Vindo dos Éons, todos já mencionados aqui: trabalhos com Zelia Bishop e Hazel Heald. O livro também trás extras, como carta da Zelia e ilustrações exclusivas.