sábado, 26 de maio de 2018

Sobre a cobrança abusiva de combustível em tempos de crise - Hans Robert Dalbello Braga


Diante de inúmeros pedidos de alguns alunos e colegas realizei uma breve análise jurídico-penal a respeito da cobrança abusiva de combustível em razão da greve dos caminhoneiros.

Conforme as inúmeras notícias veiculadas na imprensa, bem como as centenas de reclamações de consumidores, houve centenas de casos de fornecedores, especialmente postos revendedores de combustíveis, valendo-se da greve geral de caminhoneiros, para elevaram os preços de seus produtos a patamares absurdos, exorbitantes e, sobretudo, abusivos.

Assim sendo, a pergunta que deve ser respondida é a seguinte: As pessoas físicas, empresários, gerentes etc., que determinaram a elevação abusiva dos preços, durante grave crise econômica, incorreram em crime? No nosso entendimento sim!

Destarte, com a devida vênia, em respeito aos mais entendidos, segue nosso entendimento sobre a matéria:

Preliminarmente, é forçoso salientar que o art. 39, inciso X da Lei n.º 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, considera como prática abusiva, a elevação, sem justa causa, de preço de produtos ou serviços.


Ademais, o aumento arbitrário e abusivo de lucro e a outorga de preços excessivos são, independentemente de responsabilidade subjetiva, infrações à ordem econômica, expressamente previstas no art. 36, inciso III, da Lei n.º 12.529/11.


A conduta de elevar os preços de mercadorias ou serviços em razão da sua temporária escassez por falta de fornecimento caracteriza infração grave às disposições do CDC, podendo o fornecedor incorrer, conforme o caso concreto, nas mais variadas e diversas sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil e outras muitas, tais como: multa; apreensão do produto; inutilização do produto; suspensão de fornecimento de produtos e serviços; interdição total ou parcial, do estabelecimento; interdição administrativa; revogação da concessão ou permissão de uso etc.

No caso em tela existe, sem dúvidas, manifesto conflito aparente de normas penais, haja vista que a essa situação factual podem, aparentemente, ser aplicadas normas penais diversas. Entretanto, há tipo penal específico que tutela a economia popular de práticas abusivas como esta, que agride não só o direito de inúmeros consumidores, mas, sobretudo, a própria economia popular.

No caso em tela, considerando o que dispõe a Lei n.º 1.521/51, sobre crimes contra a economia popular, especialmente em seu art. 3.º, inciso VI, que dispõe in verbis: “São também crimes desta natureza: provocar a alta ou baixa de preços de mercadorias, títulos públicos, valores ou salários por meio de notícias falsas, operações fictícias ou qualquer outro artifício”; entendemos caracterizado CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR, previsto, conforme foi supracitado, no art. 3.º, inciso VI da Lei n.º 1.521/51.


O tipo penal supracitado é comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa (gerente, empresário, funcionário etc.) e tem como sujeito passivo a coletividade em geral. A conduta tipificada vem representada pelo verbo provocar que significa promover, causar etc., de modo que a provocação de alta ou baixa de preços pode ocorrer por meio de notícias falsas, operações fictícias ou qualquer outro artifício. Portanto, o tipo penal autoriza a interpretação analógica, viabilizando a adequação típica ao caso concreto, pois os distribuidores e postos de combustíveis estão se utilizando da falta de entrega dos produtos consumíveis para, simplesmente, aumentar exponencialmente os preços dos combustíveis (gasolina, etanol e diesel, produtos conceituados na Lei n.º 9.478/97).

O crime em análise estará consumado no momento em que ocorre a efetiva alta do preço com o anúncio ou cobrança, por exemplo no momento de cobrar o valor na bomba de combustível.

É forçoso frisar que não entendemos caracterizado o crime previsto no art. 2.º, inciso VI da Lei n.º 1.521/51, que tem a seguinte redação: “São crimes desta natureza: transgredir tabelas oficiais de gêneros e mercadorias, ou de serviços essenciais, bem como expor à venda ou oferecer ao público ou vender tais gêneros, mercadorias ou serviços, por preço superior ao tabelado, assim como não manter afixadas, em lugar visível e de fácil leitura, as tabelas de preços aprovadas pelos órgãos competentes”.

E isso, pelas seguintes razões: 1.º a gasolina não é produto efetivamente tabelado, pois o preço pode variar conforme o mercado e os postos de gasolina, desde que em padrões razoáveis; 2.º o art. 2.º, inciso VI da Lei n.º 1.521/51, foi revogado pelo art. 6.º, inciso I da Lei n.º 8.137/90, que, por sua vez, foi expressamente revogado pelo art. 127 da Lei n.º 12.259/11, tornando a conduta descriminalizada (vide art. 2.º do CP, que trata da abolitio criminis), de modo que passaram a ser consideradas meras infrações contra a ordem econômica, sendo o infrator punido administrativamente, com penas que variam entre multa, proibição de contratar com o Poder Público, entre outras. Ademais, é importante salientar que o art. 2.º, inciso VI, da Lei n.º 1.521/51, não poderá ser aplicado, haja vista o disposto no art. 2.º §3.º, do Decreto-Lei n.º 4.657/42, com a redação dada pela Lei n.º 12.376/10, a LINDB, que veda a repristinação, salvo disposição em contrário.

Nesse sentido, também não está caracterizado o crime previsto no art. 1.º da Lei n.º 8.176/91, pois esta infração penal só se caracteriza com as condutas de adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei, ou seja, tem aplicação no que tange à forma de armazenamento dos derivados de petróleo e outros, que gerem riscos à incolumidade pública.

Assim, resta caracterizado o crime previsto no art. 3.º, inciso VI da Lei n.º 1.521/51, que pretende tutelar o bem jurídico ‘relações de consumo’, ou seja, o regular relacionamento entre os agentes da produção e fornecimento de bens e serviços e os consumidores, pois a conduta típica, ilícita e culpável, atinge ou pode atingir, por ser um crime de perigo abstrato, um número indeterminado de pessoas.

Entretanto, em razão da política criminal da mínima intervenção do Direito Penal que é subsidiário e fragmentário, alguns poderiam afirmar que essa conduta deveria ser tratada apenas no âmbito administrativo, o que não concordamos! Pois, se o estelionato (vide art. 171 do CP) apresenta bem jurídico definido, ainda que tenha como sujeito passivo pessoa ou pessoas determinadas, quanto mais um tipo penal que pretende proteger um número indeterminado de indivíduos.

Para buscar a legitimidade de uma determinada norma penal incriminadora econômica, deverá o hermeneuta, inicialmente, distinguir se o tipo revela-se como protetor de um bem jurídico, no caso, a ordem econômica, ou se simplesmente serve a uma função estatal, que encerre apenas atividades administrativas do Estado, referentes ao controle sobre determinado setor da vida de relação ou de seu próprio organismo, o que não acontece no caso, pois são os próprios consumidores, cidadãos em geral, os maiores prejudicados.

Portanto, a cobrança abusiva de combustível com preços exorbitantes caracteriza CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR!

O futuro apocalíptico, muito bem retratado no filme MAD MAX, não deve prevalecer e os responsáveis devem ser punidos conforme a legislação brasileira profetiza!

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA:

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. São Paulo: Ed. 34, 2011.

BRAGA, Hans Robert Dalbello. Manual de direito penal: parte geral; coordenadores: Alexandre Ormonde, Luiz Roberto Carboni e Sérgio Gabriel. São Paulo: Rideel, 2018.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico, volume 1. São Paulo: Saraiva, 2016.

BUSATO, Paulo César. Fundamentos para um direito penal democrático. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

SOUZA, Luciano Anderson de. Direito Penal Econômico – Fundamentos, Limites e Alternativas. São Paulo: Quartier Latin, 2012.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013.

Hans Robert Dalbello Braga é professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Prática Jurídica Penal na Universidade Nove de Julho. Possui graduação em Direito pela Universidade Nove de Julho (2011). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Processo Penal. Advogado Criminalista, aprovado no V Exame de Ordem. Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade Nove de Julho Sob orientação do Professor e mestre Claudio Mikio Suzuki para produção do Artigo para a Conclusão de Pós Graduação (A aplicação da teoria da tipicidade conglobante nas condutas do agentes infiltrados em organizações criminosas), publicado em obra coletiva . Aluno Regular do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho.